fonte: O Globo

Seis meses após o início da reestruturação da rede de hospitais federais do Rio, as ações do Ministério da Saúde já dão resultados, mas ainda não resolveram gargalos históricos. Entre as melhorias, estão a reabertura de três emergências e a ativação de mais de 250 leitos. Pacientes, porém, continuam enfrentando filas, superlotação e problemas estruturais. O governo dividiu a gestão de cinco dos seis grandes hospitais entre diferentes instituições.

Hoje, além do próprio ministério, estão envolvidas a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a Secretaria municipal de Saúde do Rio e o Grupo Hospitalar Conceição (GHC). Apenas o Hospital de Ipanema continua sob controle integral do Ministério da Saúde.

Um dos principais desafios é a resistência dos servidores às mudanças. Em unidades onde houve troca de gestão ou fusão, como nos hospitais de Bonsucesso e da Lagoa, a reação contrária tem levado a greves, paralisações e protestos. Parte dos profissionais alega falta de diálogo, insegurança sobre condições de trabalho e perda de autonomia. O governo federal diz que os investimentos já geraram resultados concretos: três emergências que estavam fechadas (Andaraí, Bonsucesso e Cardoso Fontes) foram reabertas e passaram a funcionar 24 horas por dia.

Ao todo, foram reativados mais de 250 leitos de internação e UTI. No de Bonsucesso, cerca de dois mil profissionais foram contratados. O Cardoso Fontes passou a contar com 182 leitos e tem previsão de chegar a 250 com a conclusão das obras. No Andaraí, a emergência foi reativada num espaço provisório, e a definitiva está prevista para 2026.

Com base na Lei Orçamentária Anual de 2025, houve aumento de recursos em quase todas as unidades, com destaque para o Hospital da Lagoa, que recebeu R$ 99 milhões — 8,1% a mais que no ano anterior. O Cardoso Fontes teve alta de 7,6% (R$ 125 milhões); o de Ipanema, de 4,3% (R$ 114 milhões); e o do Andaraí, de 1,6% (R$ 147 milhões). O de Bonsucesso foi o único que sofreu redução: passou de R$ 187 milhões em 2024 para R$ 179 milhões em 2025, uma queda de 4,3%. Já a verba para o Hospital dos Servidores subiu 6,9%, alcançando R$ 229 milhões.

  • Hospital Federal de Bonsucesso

O Hospital Federal de Bonsucesso (HFB) — o maior da rede — teve sua emergência reaberta com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, após mais de cinco anos fechada. O GHC é uma estatal vinculada ao Ministério da Saúde, e sua gestão sofre resistência de servidores. A nova emergência não é do tipo “porta aberta”: funciona apenas com atendimento regulado pelo Sisreg — sistema que organiza o acesso a serviços do SUS —, o que impede o acolhimento de quem busca atendimento direto, como acidentados ou pessoas que passam mal nas proximidades.

Na entrada, cartazes orientam os pacientes a procurar a UPA mais próxima, e servidores falam da proibição de acolher casos fora do sistema. Apesar disso, o Ministério da Saúde alega que a emergência opera 24 horas por dia, com atendimento de portas abertas, e afirma que a reabertura representa um avanço na assistência com a inauguração de um novo setor de radioterapia na unidade.

— Meu sobrinho passou mal e, mesmo morando ao lado do hospital, foi orientado a procurar uma UPA. Ele tem problema cardíaco e, por isso, precisa de atendimento constante. Mas, infelizmente, não pode contar com a emergência do hospital —criticou Ana Cláudia Coutinho, de 34 anos, paciente oncológica da unidade.

  • Hospital Federal da Lagoa

Funcionários do Hospital Federal da Lagoa resistem à proposta de fusão com o Instituto Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), temendo perda dos atendimentos clínicos e ambulatoriais. O hospital tem foco em procedimentos de média e alta complexidade, como cirurgias oncológicas, vasculares e oftalmológicas, enquanto o IFF é referência nacional em doenças raras e saúde materno-infantil, com destaque para o maior banco de leite humano do país e cirurgias fetais.

No início do mês, duas manifestações foram feitas em frente ao hospital contra a fusão. Pacientes e servidores criticam a falta de transparência sobre o futuro do corpo clínico, dos residentes e do atendimento, alegando que a mudança pode comprometer a continuidade dos serviços essenciais, principalmente na oncologia de alta complexidade. O Sindicato dos Trabalhadores em Saúde alega que a reestruturação pode desassistir milhares de usuários.

O Ministério da Saúde, por sua vez, afirma que o acordo com a Fiocruz ainda está em fase de diagnóstico técnico e que o objetivo é ampliar e qualificar o atendimento à população, garantindo que nenhuma unidade será desmontada. A Fiocruz destaca que a integração pretende otimizar recursos e melhorar a oferta dos serviços, sem reduzir especialidades. O estudo sobre a viabilidade da fusão envolve representantes das instituições e será apresentado aos trabalhadores para avaliação, antes de qualquer decisão.

Pacientes e funcionários do Hospital Cardoso Fontes, em Jacarepaguá, relatam problemas persistentes, mesmo após quatro meses do início das obras na unidade. Reclamam de falta de água nos bebedouros, ar-condicionado com defeito, falta de equipamento de esterilização, sobrecarga no atendimento e precariedade na limpeza dos banheiros. Um dos casos mais graves foi o de pacientes internados em cadeiras nos corredores da unidade, alvo de denúncia que motivou uma visita do Ministério Público Federal na semana passada.

— É vergonhoso o estado do banheiro. Não deixam a gente entrar com água ou comida. Moro longe, em Bom Jardim, e levo meu cunhado ao hospital para tratamento intestinal. A situação nunca melhora — contou a dona de casa Helena Alemões, de 50 anos.

O secretário municipal de Saúde, Daniel Soranz, afirmou que a unidade melhorou desde o início da intervenção:

—Reabrimos leitos, climatizamos os ambientes. Não há justificativa para pacientes no corredor. Se houve um pico de demanda, isso deve ser apurado. A maior parte dos equipamentos foi reposta e a obra, parada há mais de dez anos, está prevista para ser concluída no primeiro semestre de 2026.

  • Hospital do Andaraí

A emergência do Hospital do Andaraí continua funcionando de forma improvisada, mesmo após o início das obras de reestruturação da unidade. Usuários relatam que, apesar das intervenções, ainda enfrentam falta de médicos, carência de insumos básicos e demora no atendimento. Pacientes também afirmam que a reforma caminha sem resultados visíveis e que problemas antigos persistem.

— A gente chega cedo e espera horas para ser atendido. Parece que nada muda. Tem dia que falta até gaze, e os médicos dizem que não têm o que fazer — contou a cuidadora Maria das Dores, de 57 anos, que acompanha o marido, paciente da unidade.

Soranz reconhece os desafios, mas afirma que há avanços:

— No Andaraí, o 10º andar estava totalmente fechado, a cozinha tinha obra parada há 15 anos. A situação é complexa e há resistência de setores contrários às mudanças.

  • Hospital Federal dos Servidores do Estado

O Hospital Federal dos Servidores do Estado (HFSE) pode deixar de existir na configuração atual. O Ministério da Saúde e a Ebserh estudam a fusão da unidade com o Hospital Universitário Gaffrée e Guinle (HUGG), da Unirio. A proposta prevê a transferência da estrutura universitária para o prédio do Hospital dos Servidores, mas ainda sem prazos definidos. A Unirio informou, por nota, que concluiu o relatório técnico que embasa a possível fusão entre o HFSE e o Gaffrée e Guinle. O documento, fruto de acordo com o Ministério da Saúde e a Ebserh, traça um diagnóstico das estruturas, perfis assistenciais e custos das duas unidades, além de propor um novo modelo de hospital universitário. Segundo o governo, a decisão sobre a fusão será tomada no próximo mês, em sessão conjunta dos conselhos superiores da universidade.